Naquele tempo, a cidade acordava para um dia de festa religiosa e o centro era a Igreja Matriz. A Imaculada Conceição era invocada como a padroeira dos comerciantes e todos eles – não muitos, ao tempo – lhe prestavam preito e agradecimento pelos bons sucessos nos negócios.
Era a época em que o religioso imperava sobre o profano, o centro da cidade era a Matriz - a igreja maior de Ponta Delgada.
Estavamos em finais da década de 60, no período da história açoriana em que a população das ilhas atingiu os 320 mil habitantes, no início da emigração para o Canadá, e no recomeço da saída de milhares de açorianos para os Estados Unidos, na sequência da erupção do vulcão dos Capelinhos, no Faial.
Os sectores de actividade económica que ocupavam a mão de obra barata e desqualificada – agricultura, pescas e comércio -, não proporcionavam aos micaelenses perspectivas consistentes de futuro, pelo que já se adivinhava um êxodo considerável da população rural. Era custosa a educação das crianças, pelo que muitos rapazes das várias ilhas ingressavam no Seminário, após a quarta classe.
Também eu vim parar a Ponta Delgada.
Na festa da Imaculada Conceição, o Seminário associava-se às cerimónias da Matriz, cujo pároco - Pe. Artur Botelho de Paiva, juntamente com o Pe. José Rebelo - se empenhava no novenário e nas celebrações litúrgicas que atraíam milhares de fiéis. Ao longo de anos constatei que muitos devotos da Imaculada Conceição mantiveram a tradição de entrar na Matriz, apesar do ruído e da animação exteriores ofuscarem a festa do feriado nacional.
No findar da década de 50, Ponta Delgada, tal como hoje, constituía o maior centro habitacional, comercial e industrial dos Açores. Embora as vias envolventes fossem ainda pavimentadas em macadame, as ruas da baixa eram calcetadas e as lojas comerciais apresentavam um visual moderno e apelativo muito devido aos tradicionais concursos de montras.
Recordo desses dois anos da minha infância, os efeitos coreográficos das iluminações, a publicidade da SPAL pela voz de António Horácio Borges, que só nos eram permitidas admirar entre as Ruas do Colégio e António José de Almeida, no percurso de ida e volta à Matriz, não fossem os rapazes “perder-se” no meio da festa...
Cinco décadas passaram e muito mudou.
Ponta Delgada perdeu gente, muita gente. Hoje o centro está, praticamente, despovoado e os edifícios, com o rodar dos anos, degradam-se a olhos vistos.
O êxodo para a periferia fez com que muitos prédios fossem ocupados por estabelecimentos comerciais e serviços, como sucedeu noutras cidades, em virtude do crescimento económico e das mudanças sociais operadas.
Esse processo de crescimento gerou em 2004, só no concelho de Ponta Delgada, um volume empresarial de negócios da odem dos 62% do total dos Açores (fonte: SREA), e os seus efeitos fizeram-se sentir na atracção e fixação de mão de obra jovem oriunda de outras ilhas.
Nos últimos dois anos, porém, o crescimento económico baixou, os salários diminuiram com o aumento de impostos e toda a actividade económica se ressentiu. Em outubro deste ano, o número de desempregados voltou a subir, em São Miguel e S.ta Maria, atingindo 9.247 pessoas.
Nas ruas da baixa de Ponta Delgada, por onde outrora fervilhavam diariamente, consumidores e transeuntes e que, no Dia das Montras, se enchiam de milhares de pessoas, a crise é evidente: vários estabelecimentos comerciais de nomeada e com longa vida, foram encerrados e as ruas estão quase desertas.
Os tempos são de mudança.
Perante as marcas do presente, investidores e responsáveis públicos e privados devem repensar a utilização económica, social e cultural do espaço urbano, para que a cidade ganhe nova vitalidade e as jovens gerações possam desfrutar positivamente, em novos contextos, de um património que marcou gerações e a história desta ilha.
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